
3 de jan. de 2018 por Victor Manresa
"Para uma cidade como nenhuma outra" - por Isaiah Thomas

Eu tinha acabado de ser ejetado. Nós estávamos na estrada, enfrentando o Lakers no Staples Center – meu primeiro jogo com a camisa do Celtics – e eu tomei duas faltas técnicas, logo ejeção automática. Desci o túnel para o vestiário, ainda de uniforme, ainda suando, ainda nervoso com a última marcação da arbitragem, e eu vi um dos preparadores físicos sentado no vestiário, acompanhando o jogo. Ele olhou para mim e sorriu.
“Cara… a torcida celta vai amar você!”
Eu estava pensando que as pessoas deviam estar loucas por pensar isso. Minha estreia na equipe e eu sou expulso? Isso não é uma boa primeira impressão.
"Do que você está falando, cara? Eles vão me amar?"
"Sim, claro. Seu primeiro jogo, você marca 21 pontos e é ejetado? Boston ama esse tipo de coisa"
Eu não sabia do que ele estava falando. Eu era novato. Eu não sabia nada sobre Boston ou sobre seus fãs.
Eu pensei que esse cara era louco.
Três dias depois – seis dias depois da troca que me enviou do Suns para o Celtics – joguei meu primeiro jogo no TD Garden. Era surreal! Quer dizer, andando pelos corredores do Garden com aquela camisa do Celtics, vendo todas as fotos de Bill Russell e Larry Bird, ficando na linha de aquecimento e olhando para todos os banners no teto – isso é apenas muita história. E a arena enche-se tão rápido antes do jogo, mais rápido do que eu tinha visto em qualquer outro lugar. Esses fãs não podem esperar para ver o seu Celtics jogar.
Foi apenas o meu terceiro jogo com a equipe, então eu estava saindo do banco. Quando eu me levantei pela primeira vez e fui em direção a quadra, senti uma explosão de energia na arena. Quando levantei do banco e fui para a quadra, todos na arena se levantaram e foram junto comigo - e eles ficaram loucos. Foi a minha primeira vez na quadra do TD Garden, e eles ficaram de pé, me ovacionando, como se eu tivesse sido um celta por toda a minha vida.
Essa foi a minha apresentação para os torcedores de Boston.
Eu pensei: “cara, esses torcedores me amam…”

A parte mais louca foi que uma semana antes disso, eu estava em Phoenix, sentado na parte de trás do ônibus do Suns, aguardando o encerramento da Trade Deadline de 2015.
Estávamos prestes a ir para o aeroporto e viajar para um jogo fora de casa, mas o ônibus estava esperando a Trade Deadline passar para não levar algum jogador que teria que ficar para trás e se preparar para a sua nova equipe.
Todo mundo sabia que Goran Dragic seria negociado – o seu nome apareceu em vários rumores nas semanas anteriores. Com certeza, e alguns minutos antes da Trade Deadline, um dos treinadores auxiliares apareceu no corredor e nos deu a notícia.
Goran havia sido negociado para o Heat.
Então Goran pegou suas coisas e abraçou alguns companheiros. Todos nós desejamos-lhe boa sorte, e ele desceu do ônibus rumo à sua nova equipe.
O resto do elenco olhou ao redor do ônibus, um para o outro, pensando: “Ok, já foi feito, essa é a equipe que ficou agora, vamos lutar com esse grupo”.
Comecei a pensar no papel maior que teria na reta final, em busca dos Playoffs. Com a saída de Goran, eu seria o segundo armador. Com mais minutos, teria mais oportunidades para mostrar que estava pronto.

Mas, cinco minutos depois da Trade Deadline, o ônibus ainda não tinha se mexido. Nós pensamos que o ônibus estava à espera do fim do prazo, portanto, nós nos assustamos.
Brandan Wright, que estava sentado em uns assentos na minha frente, olhando para o telefone, virou-se para trás e olhou para mim.
"I.T, você acabou de ser negociado."
"Não. O prazo já passou, bro. Do que você está falando?"
E ele me mostrou a notícia em seu telefone.
"Isaiah Thomas negociado com o Celtics, em troca de Marcus Thornton e uma escolha de primeira rodada do Draft 2016"
Caramba.
Eu não podia acreditar.
Olhei para cima e vi o treinador auxiliar voltando.
"IT… eles negociaram você."
Eu levantei o telefone de Brandan.
"Sim, isso é o que eles acabaram de dizer."
Eu acho que a trade estava sendo feita até a deadline, por isso que a notícia saiu poucos minutos depois. Mas já estava feito.
Fiquei chocado.
Peguei minhas coisas, abracei alguns companheiros. Todos me desejaram sorte e eu sai do ônibus.
Tudo estava acontecendo tão rápido. Eu nem esperava ser negociado, e agora eu tinha que me encontrar com os dirigentes do Suns. Tive que esvaziar meu armário e pegar minha família.
Também tive que parar em uma loja no caminho do aeroporto e comprar algumas roupas. Era fevereiro, e o clima em Boston era uma loucura – tipo, o pior inverno da história de Massachusetts – e eu estava vindo do deserto. Eu nem sequer tinha um casaco de inverno. Então eu peguei uma grande jaqueta da North Face e dois gorros antes de entrar no avião para Boston e fazer os testes físicos.
Quando eu saí do avião, estava nevando. Estava muito frio. A jaqueta e o gorro me salvaram.
Fiz o teste físico naquela noite, e enquanto o Celtics estavam em Sacramento, enfrentando o Kings, eu acompanhei o jogo com Danny Ainge em seu escritório – só eu e o GM. Falamos sobre a equipe, sobre a troca, sobre mim. E ele me disse algo que eu não podia acreditar.
"Isaiah… pela maneira que você joga, você pode se tornar uma lenda celta"

Uma lenda do Celtics? Eu pensei que ele estava louco – talvez estivesse apenas empolgado por ter feito uma grande negociação.
Mas aí, mais tarde, conversei com Brad Stevens pelo Skype, e ele estava muito empolgado comigo. Ele queria que o resto da equipe se adaptasse a mim. Ele disse que deixaria eu jogar o meu jogo, ser o melhor Isaiah Thomas que eu poderia ser.
Eu nunca tinha ouvido nada assim de um treinador na minha carreira profissional. Esses caras não estavam sendo apenas exagerados sobre uma grande troca. Eles realmente acreditaram em mim. Eu poderia dizer que eles acreditavam em cada indivíduo, acreditavam no vestiário. É por isso que nos trouxeram aqui.
Foi quando caiu a ficha: esta era a oportunidade que eu sempre quis. O que eu tinha trabalhado toda a minha vida. E eu ia fazer tudo o que eu podia para tirar proveito dela.
A transição foi meio difícil porque era reta final de temporada, basicamente jogando todos os dias. Nós só tínhamos dois dias de descanso, então nós nunca realmente tivemos tempo para treinar, o que significava que eu não tinha tempo para aprender e entender o sistema de Stevens. Então, quando eu ia para o jogo, saindo do banco, basicamente só jogávamos no pick-and-roll. Era quase como um basquete de rua. Estava em quadra jogando, tentando fazer jogadas e ficar confortável com meus novos companheiros de equipe.
Eu estava aprendendo muito, mas acho que aprendi mais sobre os meus companheiros – e sobre a cidade de Boston – na série dos Playoffs contra o Cavaliers.
Eu sei, eu sei. Nós fomos varridos. Nossa temporada não terminou da maneira que queríamos, acredite, mas muita coisa boa veio daquela série. Foi uma experiência que a equipe precisava, porque em três dos quatro jogos, tivemos uma chance de ganhar nos minutos finais. Mas nós não sabíamos como. Não nos Playoffs, pelo menos. Eles são diferentes da temporada regular. Quando as pessoas dizem que cada posse e cada jogada são cruciais, elas não estavam brincando. Isso parece clichê, e é, mas você não pode entender o que isso realmente significa até que você esteja na posição de fechar um jogo de Playoffs – e você começa a errar nos minutos finais. Você começa a pensar em todas as pequenas coisas que você poderia ter feito para mudar o rumo do jogo. Um passe a mais ali, um arremesso melhor selecionado lá. Contra uma ótima equipe como o Cavs, são esses pequenas detalhes que vão matá-lo.
Fiquei orgulhoso da mentalidade que tínhamos tido nessa série. Perdemos, mas ganhamos confiança. Nós saímos de lá, pensando: “OK, isso é o que precisamos para vencer uma série de Playoffs. Agora nós sabemos”.
Eu também saí dessa série sabendo exatamente o que significa jogar em Boston.
Eu tenho que admitir, levou um tempo para compreender o lado bom de sermos varridos. Nós perdemos quatro jogos consecutivos, e isso é difícil de digerir. Mas quando estávamos saindo da quadra do TD Garden depois do jogo 4, aconteceu algo que eu nunca vi antes na minha vida, em lugar algum.
Os torcedores de Boston se levantaram e começaram a cantar: “Let’s go, Celtics!”
Eles ovacionaram de pé o seu time que acabava de ser varrido.
Naquele momento, eu sabia que esta cidade era totalmente diferente de qualquer outra. Mesmo com o fim da temporada, parecia que estávamos começando algo.
E isso se estendeu para essa temporada também. Não temos a melhor campanha, mas estamos sempre avançando e evoluindo. Houve momentos nessa temporada em que mostramos que podemos competir com os melhores times da liga – e vencer.

Eu olho para trás, para o nosso jogo contra o Warriors, há algumas semanas. Foi como uma partida de Playoffs, tanto na atmosfera quanto na maneira que levamos aquela partida. Foi um jogo televisionado nacionalmente, sabíamos que todo mundo estava assistindo. Estávamos vindo de duas derrotas em um back-to-back e estávamos brigando por vaga nos Playoffs. Os Warriors estavam em uma sequência de 54 vitórias em casa.
Queríamos ser os primeiros a vencer em sua casa.
E sabíamos que podíamos. Lembrem-se, nós os levamos a duas prorrogações em dezembro, quando eles ainda estavam invictos. Sabíamos que poderíamos vencê-los.
Então quando nós ganhamos, muita gente se surpreendeu. Mas para nós, nos sentimos validados.
Agora, nós vamos para os Playoffs e sabemos que somos capazes de vencer os atuais campeões em sua casa, em uma das arenas mais difíceis de se jogar na NBA.
O próximo passo é usar o que aprendemos e aplicar isso em uma série de sete jogos.
Logo depois que eu fui trocado para Boston, recebi um texto de Isiah Thomas – o velho Isiah.
Ele disse: “Esta é a melhor coisa que vai acontecer na sua carreira.”
Eu não sabia o que ele queria dizer com isso. Então eu liguei para ele, e ele explicou para mim:
"Agora você vai experimentar o que é o basquetebol de verdade, o que são os verdadeiros torcedores, o que uma verdadeira organização é"
"E eles vão amar você mais do em qualquer lugar que você já esteve"

Honestamente, eu ainda não sabia o que ele queria dizer. Jogar em Boston é uma daquelas coisas que você não pode se preparar. Você não consegue entender isso até que experiencie isso.
Agora eu entendi.
Jogar em Boston mudou minha carreira. Eu tive a chance de jogar com esse tipo de liberdade, e por isso eu estou jogando com essa confiança.
E os fãs me receberam de braços abertos, também.
Eu sou baixinho – tenho apenas 1,75m – a menos que você seja um grande fã de basquete, você provavelmente não vai me reconhecer em torno da cidade. Eu não sou como Jared Sullinger, ficando preso na porta de um restaurante. Eu passo despercebido.
Pelo menos era assim nos lugares em que joguei. Aqui em Boston, diferentemente, as pessoas me reconhecem em todo os lugares que eu vou. Eles me pedem uma foto, um autógrafo. Eles conhecem meus filhos. É diferente de tudo o que eu já experimentei, e eu amo cada minuto aqui.
Meus pais vão ao Garden assistir os jogos às vezes. Toda vez que eles vão, dizem: "Você sabe que existem muitas camisas 4 na torcida?"
Eu sei.
E eu agradeço o amor, Boston.
Eu agradeço o fato de que acima de tudo, vocês me abraçaram. Da mesma forma em que Danny Ainge e Brad Stevens me abraçaram por quem eu sou. Por ser Isaiah Thomas.
O velho Isiah estava certo. Estar em Boston tem sido a melhor coisa que poderia ter acontecido para a minha carreira. Eu posso honestamente dizer que me sinto abençoado por fazer parte desta cidade e desta organização.
Eles dizem que se você ganhar um campeonato em Boston, você vai ser amado para sempre.
E eu quero que cada um nesta equipe passe por isso.
***
Essa carta foi escrita por Isaiah Thomas ao site The Players Tribune e publicada pouco antes dos Playoffs de 2016.
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